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18/09/2017

Artigo – “Usucapião extrajudicial: reflexões sobre questões controvertidas no Registro de Imóveis” – Parte 4

Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto[1]

– PARTE 4 –
DO IMPACTO ECONÔMICO E SOCIAL DA USUCAPIÃO
 
Após ter sido explicado o processo de transferência da propriedade imobiliária e o papel da usucapião na regularização fundiária, passa-se à análise do instituto sob a perspectiva econômica e social.
 
A Análise Econômica do Direito (AED) é um “método de se estudar a teoria econômica relativamente à estruturação, formação, impacto e consequências comportamentais de eventual aplicação de institutos jurídicos e/ou textos normativos”[2].
 
Através da AED, faz-se uma análise crítica dos impactos decorrentes da aplicação de institutos jurídicos, servindo como instrumento auxiliar na hermenêutica jurídica.
 
Na Análise Econômica do Direito, o que se busca é a máxima eficiência, verificada através do aumento da riqueza para a sociedade. 
 
Entretanto, a AED não pode ser utilizada como técnica substitutiva das demais formas de interpretação jurídica. A hermenêutica continua sendo aplicável, através de silogismo e argumentação. Os direitos fundamentais e os princípios continuam sendo de suma importância para o Direito. A AED se apresenta apenas como mais um instrumento a ser utilizado no processo de interpretação e aplicação da norma.
 
Neste sentido, Renata Guimarães Pompeu explica que, “ao contrário do que se afirma a doutrina mais desavisada sobre o tema, a Análise Econômica das relações patrimoniais privadas compõe um dos focos do caleidoscópio da interpretação jurídica, e não o único.  A Análise Econômica do Direito tem sido equivocadamente compreendida em determinados contextos sugerindo que ela se limitaria a uma hermenêutica meramente utilitarista das relações jurídicas.”[3]
 
Partindo dessas premissas, não se pode perder de vista que a situação de informalidade da propriedade é fator impeditivo do desenvolvimento individual e coletivo do país, sendo a busca pela inclusão de tais direitos no sistema formal um objetivo das sociedades pós-modernas e um meio de tornar efetivo o “direito aos direitos de propriedade.”[4]
 
Segundo consta na Carta de proposta de Medida Provisória que ensejou a MP 759/2016:
 
“88. […] o reconhecimento, pelo Poder Público, dos direitos reais titularizados por aqueles que informalmente ocupam imóveis urbanos, permite que estes imóveis sirvam de base para investimento do capital produtivo brasileiro, à medida que poderão ser oferecidos em garantia de operações financeiras, reduzindo custos de crédito, por exemplo.
 
89. Também, a regularização fundiária urbana contribui para o aumento do patrimônio imobiliário do País e representa a inserção de capital na economia, à medida que agrega valor aos imóveis regularizados, os quais, inclusive, tornam-se alvo de tributação (IPTU, ITR, ITBI) ou de cobrança de preços públicos (foros e laudêmios).
 
90. Como é sabido, a terra constitui a base para o desenvolvimento econômico e social de um País. É nela que se desenvolvem a moradia, a indústria e o comércio. Quando a terra – urbana ou rural – não está registrada em Cartório de Registro de Imóveis, para além de situar fora da economia, restam mitigados direitos que garantem cidadania aos seus ocupantes. Viabilizar a regularização fundiária, assim, mais do que assegurar a função social das cidades, a segurança e a dignidade de moradia, dinamiza a economia brasileira.”[5]
 
Ao comparar o desenvolvimento de diversos países, Hernando de Soto[6] concluiu que o maior obstáculo para o progresso de uma nação é a sua incapacidade de gerar capital em função da informalidade das situações jurídicas. A falta de registro formal e confiável da propriedade imobiliária impede a identificação do seu dono real, dificulta a cobrança de dívidas, atrapalha a implantação de políticas públicas, além de inviabilizar que o bem se torne capital ativo gerador de riqueza não só para o indivíduo, mas para toda a coletividade. 
 
Para o autor, “porque os direitos de propriedade não são adequadamente documentados, esses ativos não podem se transformar de pronto em capital, não podem ser trocados fora dos estreitos círculos locais onde as pessoas se conhecem e confiam umas nas outras, nem servir como garantia a empréstimos e participação em investimentos”[7].  
 
Ainda, segundo o autor, a grande diferença entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos é que os primeiros alcançaram um sistema confiável de registro formal de propriedade, criando mecanismos efetivos para absorver a informalidade dentro do sistema formal. Assim, os cidadãos podem se valer de seus bens e direitos para alavancar os próprios negócios, iniciar uma empresa usando a própria casa como garantia hipotecária, tornando-os capital ativo capaz de propiciar o progresso da nação. Mas não basta integrar os direitos informais, é necessário mantê-los dentro do sistema, pois “a lei formal perde mais e mais sua legitimidade quando as pessoas continuam a criar propriedade fora de seu alcance”[8].  
 
A busca por um sistema registral que espelhe a realidade das transações passa pela implementação de instrumentos e mecanismos jurídicos capazes de absorver situações jurídicas pacíficas e consolidadas, com a menor burocracia possível.
 
A usucapião é o mais antigo instrumento de regularização fundiária, ao conferir certeza jurídica a uma situação fática consolidada pelo tempo. Entretanto, seu efeito é limitado à esfera legal, garantindo o direito de propriedade e um título formal ao seu beneficiário.
 
Conforme explica Daniela Rosário Rodrigues, “[…] em virtude da função econômica atribuída constitucionalmente ao direito de propriedade, é essencial que o seu titular tenha em suas mãos um título hábil a registro. Enquanto não houver o registro do título aquisitivo, o aparente titular não é titular jurídico, não é titular de direito, razão pela qual seu patrimônio estará fora da circulação de riquezas.”[9]
 
Grande parte das situações de informalidade decorrem apenas de questões jurídicas e documentais, passíveis de serem sanadas pelo instituto da usucapião, através da titulação dos ocupantes.
 
Os benefícios sociais e econômicos que a propriedade formal proporciona são cada vez mais reconhecidos, de modo que a busca por um sistema registral hígido e confiável tem sido o norte das recentes alterações legislativas no Brasil. O legislador busca fornecer mecanismos para regularizar as situações consolidadas no tempo, como a regularização fundiária e a usucapião extrajudicial, assim como caminha para a centralização das informações imobiliárias em fonte única, através da positivação do princípio da concentração na matrícula (arts. 54 a 62 da Lei 13.097/15).
 
Deste modo, um sistema registral confiável e que represente ao máximo a realidade traz segurança jurídica e reduz os chamados ‘custos de transação’ que, nas palavras de Eduardo Pimenta e Henrique Lana “significam: o custo para se encontrar um interessado; custo para negociação, elaboração e discussão de contratos, contratação de advogado, obtenção de informações; custo para se fazer cumprir o contrato; etc”.[10]
 
O procedimento extrajudicial para reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião visa facilitar o ingresso das situações jurídicas consolidadas no sistema formal de registro, reduzindo as incertezas jurídicas sobre a informação publicizada e, consequentemente, os custos de transação. 
 
Ao interpretá-lo e aplicá-lo, deve-se também observar os instrumentos da AED, de forma a se obter a máxima eficiência possível, aplicando o procedimento ao maior número de situações e com o menor custo e burocracia.


 

[1] Doutorando e Mestre em Direito Privado pela PUC/MG. Coordenador do Departamento de Normas e Enunciados do CORI-MG. Oficial de Registro de Imóveis em Minas Gerais.Doutorando e Mestre em Direito Privado pela PUC/MG. Coordenador do Departamento de Normas e Enunciados do CORI-MG. Oficial de Registro de Imóveis em Minas Gerais.

[2] PIMENTA, Eduardo Goulart; LANA, Henrique Avelino RP. Análise econômica do direito e sua relação com o direito civil brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 57, jul./dez. 2010, p. 86-87.
 
[3] POMPEU, Renata Guimarães. Considerações sobre o princípio da função social do contrato: estudo de casos à luz da Análise Econômica do Direito. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Org.). Direito Civil: Atualidades IV – Teoria e prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 402.
 
[4] SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 126-127.
 
[5] Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1553431&filename=Tramitacao-MPV+759/2016>. Acesso em: 16 jul. 2017.
 
[6] SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001.
 
[7] SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 20.
 
[8] SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 197.
 
[9] RODRIGUES, Daniela Rosário. O direito à propriedade titulada por meio da regularização fundiária. In: NALINI, José Renato; LEVY, Wilson. (Coord.). Regularização Fundiária. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 35.
 
[10] PIMENTA, Eduardo Goulart; LANA, Henrique Avelino RP. Análise econômica do direito e sua relação com o direito civil brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 57, jul./dez. 2010, p. 112.

 


 
Leia as primeiras partes do artigo
Parte 1
Parte 2
Parte 3